O Virtuoso Pinochet

De 1970 a 1973, Salvador Allende foi presidente do Chile, era um socialista que pretendia levar reformas políticas esquerdistas ao país. Nesse contexto, Allende era mais amado  do que temido pelo povo – seu único apoio, já que o exército e as elites o isolaram. No cenário da Guerra Fria, os EUA também isolaram o Chile e decidiram apoiar Augusto Pinochet (comandante das Forças Armadas) em um golpe militar.

No dia 11 de setembro de 1973, aviões militares atingiram o palácio La Moneda, em Santiago de Chile. Neste momento, segundo a versão oficial, o presidente Salvador Allende depois de três anos no poder suicidou-se. Ele perdeu o cargo para Augusto Pinochet em um golpe rápido e violento. Este teve virtù , isto é, soube alcançar seu objetivo pois o contexto da Guerra Fria e de outras ditaduras militares na América Latina contribuíram para a manutenção da ordem pinochetista por 17 anos.

Pensa-se que o primeiro erro do presidente deposto a ser considerado é o fato de Allende ter sido muito amado pela sociedade, todavia não carregava a qualidade de ser temido, pensando segundo a ideologia do cientista político Maquiavel. Dentro de tal contexto, Allende procurou ser bom em diversos pontos de seu governo, ou seja, abriu a possibilidade de fracassar. Sendo assim,  não se fez temer já que as Forças Armadas não foram fiéis ao soberano. Lembra-se de uma passagem de O príncipe, de Maquiavel: “…quando o príncipe está com seus exércitos e tem sob seu comando multidões de soldado, não deve importar-se absolutamente com a fama cruel, pois sem ela não se mantém um exército unido nem disposto ao combate.” Por outro lado, Pinochet soube muito bem utilizar o seu exército.  Apesar de tudo, Allende acertou em não ser odiado, o que levaria a uma constante ameaça ao exercício de poder e poderia levar a uma crise antes do golpe de 73.

O general Augusto Pinochet soube alcançar o fim da Política – segundo o filósofo italiano – conseguiu garantir a ordem e a soberania dentro do seu território e sobre o povo a qualquer custo. Em outras palavras, soube usar o mal para governar um país que estava, de certo ponto de vista, desestabilizado. Além de governar com mãos de ferro, procurou eliminar todas as formas de oposição que surgiram com o uso de prisões, torturas e assassinatos, tornando o Chile como palco da ditadura mais cruel da América. No capitulo VI de O príncipe há uma justificativa para tais ações: “… não há coisa mais difícil de se fazer, mais duvidosa de se alcançar, ou mais perigosa de se manejar do que ser o introdutor de uma nova ordem, porque quem o é tem pôr inimigos todos aqueles que se beneficiam com a antiga ordem…”. A fim de exemplificar, em alguns meses de governo haviam quase 20.000 assassinados e 30.000 prisioneiros políticos submetidos a torturas. Um dos aspectos que legitimou essas mortes foi a Constituição de 1980 que diz que a autoridade do presidente abarca tudo que diz respeito à manutenção da ordem, que seria o bem maior da sociedade (Su autoridad se extiende a todo cuanto tiene por objeto la conservación del orden público en el interior y la seguridad externa de la República, de acuerdo con la Constitución y las leyes. Artigo 24 da Constituição da República do Chile, 1980)

Também, o governo ditatorial de Pinochet foi marcado por ter concedido uma ilusão de liberdade ao povo. Isso aconteceu por causa dos plebiscitos que o elegiam presidente. Em seu governo ocorreram dois, um em 1978 e outro em 1980. O de 78 o legitimou presidente e o de 80 foi uma fraude, apenas para prolongar a sua ditadura pessoal. Contudo, o caráter repressivo do Estado determinava a continuidade do regime militar e de toda a instituição que o cercava. Desse modo, a sociedade chilena pensava que podia derrotar politicamente a ditadura. Utilizando uma análise maquiavélica, acredita-se que é essencial garantir um mínimo de liberdade aos súditos e deve-se impor limites para assegurar a ordem por parte do soberano. Apesar de tudo, em 1988, pressionado pela comunidade internacional, o plebiscito derrotou Pinochet, dentro das normas constitucionais. Sendo assim, o povo foi capaz de interditar a ditadura  e desencadeou um processo de transição à democracia, através de reformas políticas que culminaram em 1990 com a posse do presidente democrático Patricio Aylwin.

Entende-se que o ditador justificou o golpe e sua permanência no poder, por meio do chamado “Milagre chileno”. Período no qual o Chile pôde desenvolver-se e recuperar-se de uma crise econômica, ocasionada pela evasão de investimentos externos. Além dos aspectos de limitação da vontade popular, a manutenção das Forças Armadas como poder acima do civil, violação de direitos humanos que também favoreceram a continuidade do governo ditatorial. Paralelamente, analisa-se que o bloco oposicionista aceitou formar uma coalizão de partidos, o que tornou-o um conjunto forte na luta contra o governo pinochetista. Por fim, lembra-se que, para Maquiavel, um soberano não é obrigado a seguir as coisas que um homem bom seguiria e para conservar o seu Estado pode agir contra a caridade, a fé, a humildade e a religião, entre outras características descritas pelo cientista político.

“Eu tenho a cara azeda, por isso talvez digam que eu sou um ditador.”

“Se eu tivesse sido ditador, ainda estaria governando.”

Frases de Augusto Pinochet

2 respostas para ‘O Virtuoso Pinochet

  1. Concordo com o exemplo dado pelo grupo, em que idéias de Maquiavel se relacionam ao caso da ditadura ocorrida no Chile. Por ter herdado uma situação política e econômica caótica, marcada por grande déficit comercial e falta de investimentos, Augusto Pinochet resolveu a situação com uma dura campanha de repressão aos grupos sujeitados ao regime socialista anterior e iniciou uma reforma com a qual procurou reduzir a intervenção do estado, diminuir a inflação e liberalizar o comércio exterior.
    Pode-se encaixar Maquiavel, como já citado, pois o cientista político procurou generalidades de sucesso no passado para basear suas conclusões e, desde a antiguidade o poder foi frequentemente tomado, mantido ou perdido segundo os meios por ele apontados. Do pensamento realizado por Maquiavel se alcança o princípio segundo o qual, em política, os fins justificam os meios e a ética do estado é a do bem público e, além disso, em sua obra “O Príncipe”, o príncipe tudo pode, e tudo deve fazer, se tiver por meta a felicidade de seu povo e, caso venha a agir a de outra forma, é derrotado por outro príncipe. Tal idéia, cabe perfeitamente no contexto em que vivia o povo chileno com o seu rigoroso ditador.

  2. Muito boa a análise feita pelo grupo. É triste ver que idéias tão antigas e hoje tão facilmente rejeitadas fizeram parte da história da América Latina no séc. XX. Pessoalmente, também me entristece que um governo socialista não tenha tido chances reais de consolidação no Chile. Mas há de reconhecer que Pinochet foi muito “virtuoso” em relação a economia do país. As medidas tomadas por ele tiveram muita influência na sua longa estadia no poder. Nesse aspecto, agiu de forma dotada de fortuna, pois usou da sorte da maneira que mais convinha no momento. Porém, hoje é evidenciado e constatado os vazios e as falhas de tendências maquiavélicas. Não só a economia chilena nos tempos atuais levam de herança a quase total privatização de seus meios de produção, de maneira tão solidificada que dificilmente seria possível alguma alteração simples em sua estrutura. Mais ainda, fugindo do plano econômico, que é passível de opinião, o legado de mortes deixado pelo regime de Pinochet enche estádios de futebol. Nenhuma ordem compensa tanta repressão e felizmente disso podemos nas gerações do séc. XXI, pois é condenado socialmente e institucionalmente práticas desse tipo.

Deixe um comentário